Amiloidose

 


Autores:
Danieli Castro Oliveira de Andrade
Doutora, Médica reumatologista do Centro Paulista de Investigação Clínica e do Instituto Fleury, São Paulo. (Ex-Residente da FMUSP - Reumatologia)
Eduardo Ferreira Borba
Professor Livre Docente da Disciplina de Reumatologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – FMUSP.
Última revisão: 14/04/2011
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INTRODUÇÃO E DEFINIÇÃO

A amiloidose compreende um grupo heterogêneo de doenças que possuem em comum o depósito extracelular de uma substância proteica dita amiloide. É interessante que todas as formas de amiloide apresentam a birrefringência verde peculiar à microscopia após a coloração pelo vermelho-Congo, e essa observação no material de biópsia continua sendo o padrão-ouro para estabelecer o diagnóstico de amiloidose.
As doenças por amiloide são classificadas de acordo com a composição bioquímica das proteínas precursoras séricas que formam as fibrilas de amiloide e depósitos. Apesar destes avanços, sua história natural é ainda pouco conhecida e o seu diagnóstico, na maioria das vezes, realizado tardiamente, quando a doença já se encontra num estágio mais avançado.

ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA

As doenças amiloides são classificadas de acordo com o padrão e a extensão do depósito. Podem ser divididas em adquiridas ou hereditárias, ou ainda sistêmicas ou localizadas de acordo com a extensão do depósito, conforme Tabela 1.
As formas mais frequentes de amiloidose são as adquiridas, onde encontramos as formas AL (imunoglobulinas de cadeia leve ou primária), as AA (reativa ou secundária) e as A-beta-2M (beta-2-microglobulina ou associada à diálise). A amiloidose do tipo AL é rara, com incidência estimada de 4,5 por 100.000 indivíduos. Por sua vez, amiloidose secundária ou reativa (tipo AA) está principalmente associada a infecções e inflamações crônicas, e corresponde a 8 a 16% dos casos de amiloidose. Doenças como tuberculose e hanseníase podem ter incidência superior a 50%.
Por outro lado, as formas hereditárias são mais raras e variam de acordo com a região geográfica, acometendo 1 em 100.000 indivíduos. Geralmente, o modo de transmissão é autossômico dominante, com a exceção da febre familiar do Mediterrâneo, que apresenta o padrão autossômico recessivo.

ACHADOS CLÍNICOS

As apresentações clínicas variam de acordo com os tipos de fibrilas amiloides, conforme exposto na Tabela 1.
A amiloidose primária sistêmica (tipo AL) é uma discrasia de célula plasmática com envolvimento multissistêmico, progressão rápida e sobrevida curta. As fibrilas de amiloide são compostas de cadeia leve monoclonal. A mais encontrada é a lambda, numa proporção de 2:1 em relação à kappa. Usualmente afeta indivíduos com mais de 40 anos de idade, é mais frequente em homens (65%) e os sintomas e sinais são frequentemente inespecíficos, tais como fraqueza, fadiga e perda ponderal.
As principais repercussões clínicas, que alertam para o diagnóstico, comprometem rins, pulmões e coração e são reconhecidas tardiamente, por isso apresentam pior evolução. A gravidade está relacionada ao aumento dos órgãos secundários ao depósito de amiloide. Nos rins, a proteinúria, por vezes nefrótica, é encontrada em 1/3 dos pacientes e frequentemente leva à insuficiência renal. Em aproximadamente 1/4 dos casos identifica-se insuficiência cardíaca congestiva, miocardiopatia restritiva, baixa voltagem ao eletrocardiograma e hipersensibilidade digitálica, responsáveis por 50% dos óbitos nesta forma de amiloidose. O depósito pulmonar ocorre em aproximadamente 90% dos casos e determina quadro de dispneia progressiva. O comprometimento hepático normalmente não leva à perda de função, apesar de levar à hepatomegalia. Alterações gastrintestinais como má absorção, diarreia e obstrução também podem ser encontradas.
Um sinal fácil de observação e que apresenta um importante valor preditivo na doença é a presença de macroglossia, observada em até 20% dos casos, e também frente a sangramentos devido à deficiência de fator X. Além disso, o acometimento cutâneo caracterizado por púrpura, pápulas ou tumores pode ser encontrado em mais de 40% dos casos. Aproximadamente 10 a 15% dos pacientes podem apresentar ainda neuropatia periférica e hipotensão ortostática.
Os achados reumatológicos mais significantes são o aparecimento de síndrome do túnel do carpo, observado em mais de 20% dos casos, e o sinal de shoulder pad, que corresponde ao depósito de amiloide nos ombros. A artropatia não é frequente, ocorre em menos de 5% dos casos e predomina nas grandes articulações.
A presença de um dos sintomas descritos associado à proteína monoclonal sérica ou urinária constitui forte suspeita de amiloidose; a presença de proteína monoclonal no soro ou urina é observada em 90% dos casos.
A amiloidose associada ao mieloma múltiplo (tipo AL) também apresenta fibrilas compostas de cadeia leve monoclonal, assim como a amiloidose primária. Porém, nesta forma, existe um predomínio da cadeia leve kappa em relação à cadeia lambda, numa relação de 2:1. As lesões osteolíticas encontradas no mieloma são de grande auxílio no seu diferencial, visto que as manifestações clínicas são semelhantes àquelas encontradas na forma primária.
A amiloidose secundária ou reativa ou adquirida (tipo AA) é uma complicação pouco comum de estados inflamatórios crônicos, infecções e, de forma mais rara, a determinados tipos de neoplasias. A forma reativa a processos inflamatórios crônicos tem sido relacionada principalmente às doenças reumatológicas, particularmente a artrite reumatoide (do adulto e juvenil), espondilite anquilosante, síndrome de Reiter e artrite psoriática. Interessante notar que, apesar disso, a amiloidose é rara nas doenças do tecido conectivo, principalmente no lúpus eritematoso sistêmico. Na doença de Chron, a amiloidose ocorre em até 8% dos casos, em contraste com a retocolite ulcerativa, onde é extremamente rara.
A suspeita de amiloidose nestas patologias fundamenta-se basicamente na presença de proteinúria, má absorção intestinal ou envolvimento gastrintestinal como náusea, diarreia e hepato ou esplenomegalia. O depósito amiloide é o da proteína AA que é distinto das cadeias leves de imunoglobulinas, e os pacientes raramente têm acometimento cardíaco e de nervo periférico. A macroglossia não é uma característica da amiloidose AA. O tratamento desta forma secundária de amiloidose consiste no controle do processo inflamatório da doença de base, levando a estabilização ou resolução parcial do depósito amiloide.
A amiloidose heredofamiliar é identificada pelas várias regiões onde cada família e tipos de depósito amiloide foram descritos e estão associados a quadros clínicos distintos. O modo de transmissão habitualmente é autossômico dominante, com a exceção da febre familiar do Mediterrâneo, que é autossômica recessiva. Esta se caracteriza por surtos recorrentes de febre, serosites (principalmente peritonite e pleurite) e artrite, que se inicia na infância/adolescência, principalmente nos de origem mediterrânea. O depósito amiloide é do tipo AA, semelhante ao das formas reativas, e envolve fígado, baço, suprarrenal e principalmente rins, onde a proteinúria é inicialmente observada e, após 2 a 15 anos, evolui invariavelmente para síndrome nefrótica e insuficiência renal.

Outras Formas de Amiloidose

A amiloidose local pode estar presente em qualquer órgão, por vezes assemelhando-se a tumores, principalmente em pulmão, pele, laringe, olhos e vesícula.
A amiloidose associada à hemodiálise crônica é um grande desafio no tratamento da insuficiência renal crônica, pois, nesta forma, existe o depósito de fibrilas constituídas por b2 microglobulina intacta que normalmente não é removida durante a diálise. A sua incidência é superior a 50% após 5 anos do início desse procedimento. Caracteriza-se por quadro de poliartrite tipo reumatoide com formação de pannus, tenossinovite, síndrome do túnel do carpo e aparecimento de grandes cistos e erosões ósseas, eventualmente levando a fraturas patológicas. Até o momento, o transplante renal é o único tratamento efetivo desta condição, pois leva à rápida normalização dos níveis séricos de beta-2-microglobulina e resolução dos sintomas.
A amiloidose cerebral está estreitamente relacionada à doença de Alzheimer, síndrome de Down e amiloidose hereditária com hemorragia cerebral (holandesa), que compartilham o depósito da proteína amiloide beta (A-beta). Importante ressaltar que o cérebro e os vasos sanguíneos cerebrais são raramente afetados nas amiloidoses sistêmicas, porém são importantes sítios de depósito local nestas formas.
A amiloidose endócrina ocorre em glândulas secretoras de hormônios polipeptídicos, bem como em tumores secretores hormonais. No diabetes mellitus não insulino-dependente, o depósito de proteína amiloide do tipo AIAPP (polipeptídio amiloide das ilhotas de Langerhans) pode ser encontrado em até 95% dos pacientes com esta doença.

Tabela 1: Formas clínicas de amiloidose
amiloidose
Proteína amiloide
Condições associadas
Primária
AL
Sem doença prévia ou concomitante
Do mieloma múltiplo
AL
Mieloma múltiplo
Secundária ou reativa
AA
Infecções crônicas: mal de Hansen, tuberculose, osteomielite
AA
Inflamações crônicas: doença reumatoide do adulto, doença reumatoide juvenil, espondilite anquilosante
Heredofamiliar
AA
Febre familiar do Mediterrâneo
AA
Síndrome de Muckle-Well
ATTR
Neuropática
ATTR
Cardíaca
AGel
Distrofia corneana familiar amiloide
Localizada
AL
Sem comprometimento sistêmico
Da hemodiálise
Ab2M
Hemodiálise crônica
Cerebral
Ab
Doença de Alzheimer
Ab
Síndrome de Down
ACys
Hereditária com hemorragia cerebral
AScr
Doença de Creutzfeldt-Jakob
Endócrina
ACal
Carcinoma medular de tireoide
AIAPP
Diabetes mellitus

MANIFESTAÇÕES REUMATOLÓGICAS DA AMILOIDOSE

A substância amiloide é depositada na articulação, na membrana e no líquido sinovial. A artropatia amiloide é encontrada principalmente na amiloidose secundária ao mieloma múltiplo, mas também na forma primária, na febre familiar do Mediterrâneo e na forma associada à diálise.
A artrite amiloide geralmente mimetiza aquela encontrada na artrite reumatoide, com quadro simétrico, de pequenas articulações, associado a rigidez matinal e fadiga. As articulações preferencialmente comprometidas são ombros, punhos, joelhos e dedos; elas se apresentam edemaciadas e firmes, mas sem rubor e dor importante. Neste sentido, um importante espessamento sinovial deve ser considerado como indicativo de amiloidose.
A artropatia amiloide pode manifestar-se como síndrome do tunel do carpo devido à infiltração de punhos, principalmente em indivíduos com mais de 50 anos de idade. Na amiloidose primária, a síndrome do túnel do carpo pode ser encontrada em até 20% dos casos e pode ser decisiva para o seu diagnóstico. Contudo, esta é mais frequente na amiloidose secundária à hemodiálise crônica, onde a compressão do nervo mediano ocorre em mais de 70% dos pacientes. Outra articulação que merece destaque é o ombro. O shoulder pad ocorre principalmente na amiloidose primária em decorrência da intensa infiltração amiloide em ombros. Também é importante sinal sugestivo de diagnóstico da amiloidose.

DIAGNÓSTICO E EXAMES COMPLEMENTARES

Na maioria das vezes, a suspeita clínica é secundária ao depósito amiloide nos órgãos afetados. Portanto, a investigação deve ser dirigida mediante o sítio comprometido. As alterações nos exames de sangue e urina são, por vezes, inespecíficos, como um aumento de velocidade de hemossedimentação (VHS) e da PCR. A presença de proteinúria e hipergamaglobulinemia pode levar a suspeita de amiloidose AL, principalmente quando associadas a neuropatia periférica ou insuficiência cardíaca congestiva. Nas formas de amiloidose primária sistêmica e naquela associada ao mieloma múltiplo, a identificação de uma cadeia leve monoclonal pode auxiliar na suspeita diagnóstica, embora possa ainda ser negativa em 15 a 20% dos casos. A imunoeletroforese revela a presença de cadeia leve monoclonal, frequentemente lambda, na amiloidose primária sistêmica (tipo AL) ou da cadeia leve kappa na amiloidose secundária ao mieloma múltiplo.
O diagnóstico de amiloidose baseia-se na demonstração histológica do depósito tecidual de amiloide por meio de coloração específica. A confirmação histológica do amiloide é classicamente demonstrada pela coloração com vermelho-Congo, que, sob microscopia polarizada, apresenta uma birrefringência verde. Nem sempre as fibrilas amiloides são identificadas à microscopia eletrônica e, na verdade, seu achado isolado também não permite a confirmação diagnóstica.
A biópsia deve ser preferencialmente realizada no órgão suspeito de infiltração amiloide, considerando-se que existe o risco de complicações relacionadas a sangramento. A biópsia de reto ou de gordura subcutânea são as menos invasivas, com positividade de mais de 90% tanto nas formas primárias quanto secundárias. Outros sítios passíveis de biópsias são a gengiva e a medula óssea, que possuem sensibilidades de 80% e 50%, respectivamente. O uso de anticorpos dirigidos contra as proteínas fibrilares amiloides, por imunofluorescência e por imunoperoxidase, pode facilitar a sua identificação. Porém, a positividade à imuno-histoquímica do amiloide não constitui método isolado de diagnóstico, havendo também a necessidade da confirmação pela coloração com vermelho-Congo.
Radiologicamente, a osteopenia generalizada é observada em até 80% dos casos, mesmo na ausência de lesões líticas. O fator reumatoide habitualmente é negativo, sendo de auxílio na sua diferenciação. A análise do líquido sinovial revela um líquido não inflamatório com predomínio de mononucleares e presença de depósitos amiloides no vilo sinovial à coloração do vermelho-Congo.

TRATAMENTO

Os princípios da terapêutica da amiloidose baseiam-se na redução da formação do amiloide e, ao mesmo tempo, dissolução dos depósitos existentes.
A redução do precursor amiloide consiste na diminuição da síntese hepática das proteínas de fase aguda. De fato, tem sido demonstrado que a utilização de drogas citotóxicas na artrite reumatoide juvenil e do adulto reduziu a incidência de amiloidose e melhorou o prognóstico dessas doenças.
O clássico uso da colchicina no tratamento da febre familiar do Mediterrâneo, além de prevenir ataques febris, também se mostrou comprovadamente efetivo na redução do depósito amiloide, preservando função renal e aumentando a sobrevida ao longo do tempo. A colchicina também parece exercer efeitos adicionais na amiloidose AL, principalmente quando associada a melfalam e prednisolona. A realização de plasmaférese e o transplante hepático também parecem ser efetivos como redutores da amiloidose familiar por TTR, assim como o transplante renal para a amiloidose causada pela beta-2-microglobulina (A-beta-2M).
Medidas de suporte são particularmente importantes no seguimento destes pacientes, por retardar a piora da insuficiência de um determinado órgão, por exemplo, o controle rigoroso dos níveis pressóricos na amiloidose renal. O transplante hepático, renal e cardíaco pode ser necessário em casos extremos, sobretudo na amiloidose do tipo AA. A utilização de determinadas drogas, como digital e bloqueadores de cálcio, deve ser cuidadosa nos casos com envolvimento cardíaco, pois podem agravar a função miocárdica.
Até o momento, a história natural da amiloidose sistêmica apresenta prognóstico e desfecho ruins, principalmente devido ao início tardio do tratamento. O reconhecimento precoce dessa doença, prevenindo o depósito de amiloide nos órgãos, é um dos fatores mais importantes para sua boa evolução

ALGORITMO

Algoritmo 1: Fluxograma para amiloidose

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BIBLIOGRAFIA

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